sábado, 3 de março de 2012

Um Texto Gracioso

MINHA PRIMA by danielamoreira
1 fevereiro, 2007, 11:42 am
Filed under: Daniela Moreira, sociedade
Jéssica é uma moreninha linda, de cabelos bem negros, daqueles que escorrem e teimam em escapar da presilha, caindo sobre o rosto, fazendo charme, desobedientes. Moreninha maneira de dizer. Moreninha porque, mesmo rechonchuda, é mimosa e sempre sorridente. Tem uns olhos amendoados, de polinésia ou havaiana, e um narizinho de campainha que dá vontade de apertar toda hora. O queixinho, que fofura!, parece um moranguinho daqueles bem delicados, que nascem rasteiros, escondidos sob as folhas verdes, no cantinho do jardim.

Mas a cara de menina já não engana. Está virando mocinha. Mocinha não, que isso é do tempo da minha avó. Adolescente. Outro dia fez 15 anos, com direito a baile de debutante e tudo mais. Uma princesa. Como toda menina da idade, pensa em fazer faculdade e seguir uma carreira. Jornalista, como a irmã. Ou cabeleireira. Ou médica. Ou talvez tudo junto. Como toda menina da idade. Pensa também em tirar carta de motorista e casar – esqueci de dizer, mas a Jéssica adora um casamento, vive enquadrando os noivos indecisos.

Já esteve dividida entre dois pretendentes, Brunão e Felipão, mas agora está solteira. Só quer saber de “pegar”, como ela gosta de dizer. Na escola nova, que cursará com a bolsa máxima, privilégio de quem gabaritou no teste de admissão, planeja conhecer muitos gatinhos e fazer novos amigos. E também aprender a ler e escrever. Pra tirar carta e passar na faculdade. Adora uma novela, não dispensa um bom prato e requebra cheia de graça e molejo ao som de uma trilha sonora animada.

Como toda menina da idade, adolescente rebelde, adora implicar com o pai. Discute, desafia, teima. Mas é doce, e dali a pouco esquece e tasca um abraço daqueles fortes, que fazem a gente desequilibrar. Da mãe, diz ser a melhor cozinheira do pedaço. E também é cantora, ela diz, “que orgulho da minha mãe”! Dos irmãos, é o xodó absoluto. E dos amigos dos irmãos, e dos amigos dos amigos dos irmãos também. Conhece todas as turmas e participa de todas as festas, não perde uma.

Mas diferente da maioria das meninas da idade, Jéssica tem um talento especial pra ouvir histórias e prestar atenção nas coisas que a gente conta. Outro dia me perguntou quando eu me mudava. Eu, que já tinha engavetado os planos de comprar um apartamento há uns meses, titubeei e disse que ainda não sabia. E ela se apressou em concordar, afinal, eu ainda tinha que terminar de pagar o carro novo. Sabe mais, essa neguinha, da minha vida que muito amigo de anos. Talvez porque ouça mais, talvez porque se importe mais. E também, não dá pra negar, porque adora uma boa fofoca.

Nunca se esquece de perguntar do meu namorado “Fenicius”, que já adotou como se fosse da família, e do seu irmãozinho caçula, o loirinho de olhos azuis que só conheceu de passagem e de fotos. Mas não importa, ela sempre manda um beijo pra ele mesmo assim. E de vez em quando, sem qualquer motivo, me dá um abraço apertado e me chama de prima especial. Aí eu desmonto – quem resiste? Sim, ela sabe agradar quando quer, a neguinha. Até hoje não conheci ninguém que não tenha se rendido ao seu charme.

Mesmo quem acaba de conhecê-la e compreende com dificuldade as primeiras palavras, às vezes enroladas, não resiste ao papo esperto e logo se encanta com os olhinhos de polinésia e o queixinho de morango silvestre. Não há preconceito que resista. E por isso a Jéssica tem tantos amigos e até tios e primos, que, como eu, não são de “sangue”, mas do coração.

Lembro perfeitamente do dia em que fui visitá-la pela primeira vez, recém-nascida, a filha caçula da melhor amiga da minha mãe. Com medo da sinceridade incoveniente das crianças, minha mãe alertou: “Ela é diferente”. Ela tinha razão. Nunca conheci uma alma tão delicada, tão generosa e sensível como a da nossa Jéssica, Jéssica Pereira da Silva – como ela gosta de dizer.

Poderia ter dito tudo isso e muito mais da minha prima especial sem qualquer motivo, a qualquer hora. É um prazer falar dessa menina linda que eu vi crescer e virar mocinha. Mocinha não, adolescente.

Mas este texto tem sim uma razão de ser. Esta semana ouvi um daqueles comentários cretinos, que andam na moda nos últimos tempos por causa da “Clarinha da novela”. Pensei em escrever sobre preconceito, ignorância, intolerância, pobreza de espírito e falta de respeito com o outro.

Mas quer saber? Mudei de idéia. Falar da Jéssica vale muito mais a pena.

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